O que é a caatinga e qual a sua importância para o Brasil?

Vinte e oito de abril é o Dia Nacional da Caatinga. João Vasconcelos Sobrinho (1908-1989) foi quem primeiro comprovou que o patrimônio biológico da Caatinga, além de rico, é único no mundo. Em homenagem a esse engenheiro agrônomo e ecologista pernambucano, o Dia Nacional da Caatinga foi instituído em 2003 [1]. 

A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro, com biodiversidade adaptada às altas temperaturas e à falta de água [2]. O nome “Caatinga” é de origem Tupi-Guarani e significa “mata branca”, o que caracteriza bem o aspecto da vegetação na estação seca, quando as folhas caem e apenas os troncos brancos e brilhosos das árvores e arbustos permanecem na paisagem seca [2, 3]. 

A Caatinga é o ecossistema que recobre mais de 10% do território brasileiro e 70% da região Nordeste. Nesta extensão, estão incluídos nove estados brasileiros, sendo eles os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, a maior parte da Paraíba e de Pernambuco, sudeste do Piauí, oeste de Alagoas e de Sergipe, região central da Bahia e parte do norte de Minas Gerais [4]. Esse ecossistema forma-se em regiões de clima árido e semiárido, onde as chuvas são escassas e as secas podem durar até nove meses [4].

Com uma área de superior a 800 mil km2, este bioma é considerado de elevada importância biológica, pois é o único de ocorrência geográfica restrita ao Brasil. Porém, é considerada como um dos ecossistemas brasileiros mais degradados pelas atividades humanas, sendo o terceiro bioma brasileiro mais modificado, sendo ultrapassado apenas pela Mata Atlântica e o Cerrado [2, 3]. Por outro lado, é considerado como o menos protegido, e a degradação desse ecossistema tem ocorrido a passos largos, mesmo no interior das unidades de conservação de proteção integral [1].

A caatinga e os alimentos do bioma

Várias plantas estão adaptadas a essas condições extremas, com predominância de arbustos e de espécies adaptadas para sobreviver à falta de água. Como exemplos a essa adaptação tem-se que algumas espécies que mantêm pequenas folhas, bem como outras ficam totalmente sem suas folhas durante o período da seca – ambos são dois tipos de adaptação que permitem às plantas perder menos água.

As chamadas plantas “suculentas”, como cactos e bromélias, armazenam bastante água em seu interior e, assim, podem suportar a falta de chuva. Outras espécies, ainda, têm raízes tuberosas (crescem debaixo da terra), e, como principal característica, têm grandes reservas de substâncias. Portanto, são capazes de guardar água e nutrientes, como é o caso do umbuzeiro.  Outras espécies frutíferas importantes são o juazeiro, o marizeiro, a quixabeira, o mandacaru, o maracujá-da-mato, o croatá, o araçá e o araticum [5, 6]. 

O trabalho do Cientista de Alimentos na Caatinga

Diversos são os trabalhos que podem ser desenvolvidos pelo cientista na Caatinga. Um deles, é o conhecimento da ampla diversidade química das espécies vegetais de um bioma tão particular. A partir dessa variedade química, compostos de interesse podem ser então prospectados e mapeados, auxiliando tanto no (re)conhecimento do potencial funcional do material vegetal, bem como no desenvolvimento de ingredientes a partir do mesmo. Como exemplo, podemos citar as cactáceas – material tão interessante que foi considerada pela FAO como “alimento do futuro” [7].

As cactáceas são uma grande aposta pois apresentam baixa demanda hídrica, são resistentes à seca e pouco exigentes quanto à qualidade do solo, apresentam facilidade de cultivo e subsistem em condições naturais limitantes. Embora a pitaya da espécie Hylocereus polyrizhus (Figura 1) não seja nativa da Caatinga, ela se desenvolve muito bem na região semiárido do Brasil e reforça ainda mais as possibilidades de uso de cactos em um contexto de diversidade química e agroindustrialização. Quantos materiais nossos nativos poderiam ser utilizados nessa mesma temática, como os frutos do mandacaru, por exemplo? Digo que são muitos. 

Figura 1. Pitaya (Hylocereus polyrhizus). Foto: Ana Paula Dionísio

A pitaya tem sido estudada nos últimos anos por nosso grupo de pesquisa. Nossas pesquisas se baseiam em três pilares fundamentais: conhecimento da riqueza química, do efeito biológico e do potencial para o desenvolvimento de produtos agroindustriais. Os resultados foram muito importantes para a valoração da fruta – ela apresenta uma riqueza em betalaínas, compostos fenólicos e oligossacarídeos prebióticos [8], que são responsáveis pelos efeitos biológicos comprovados em diferentes modelos animais, como por exemplo, em modelos de ansiedade, diabetes e dislipidemia. Os resultados mostraram que – em modelo animal e nas doses utilizadas – a suplementação com a fruta foi capaz de apresentar um efeito positivo no controle de glicemia, triglicérides, colesterol dos animais, bem como um efeito positivo no controle da ansiedade [9, 10, 11, 12].

Adicionalmente ao seu efeito biológico, a pitaya também é fonte de pigmentos com uma coloração muito atraente [13]. A pesquisa contou com o desenvolvimento de um corante vermelho-violeta, em um processo baseado nos preceitos da química verde, obtendo um produto de elevada intensidade de cor vermelho-violeta, podendo a vir a ser uma alternativa aos corantes disponíveis no mercado, como o corante de beterraba e carmim de cochonilha.

Essas pesquisas abrem um leque de possibilidades para diversos outros produtos da Caatinga: quantos materiais ainda precisam ser estudados e podem apresentar um potencial interessante e ainda desconhecido? 

Sobre a Autora

Ana Paula Dionísio é Cientista dos Alimentos, formada pela Esalq-USP (segunda turma de CA). Fez doutorado direto em Ciência de Alimentos na Unicamp, com período sanduíche em Madri, na Espanha. É pesquisadora da Embrapa desde 2010, na Unidade de Fortaleza – CE, na área de processos agroindustriais, onde desenvolve pesquisas com alimentos funcionais e desenvolvimento de produtos.

Quer saber mais?

[1]https://www.fundaj.gov.br/index.php/conselho-nacional-da-reserva-da-biosfera-da-caatinga/9762-caatinga-um-dos-biomas-menos-protegidos-do-brasil 

[2]https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/bioma_caatinga/Abertura.html

[3]https://www.embrapa.br/contando-ciencia/bioma-caatinga

[4]https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/bioma_caatinga/arvore/CONT000glz1ehqv02wx5ok0f7mv200nvg0xn.html

 [5]https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/11949/2/00081410.pdf

[6] https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/133321/1/ID-33370.pdf

[7] https://istoe.com.br/cacto-e-o-alimento-do-futuro-anuncia-a-fao/

[8] SANTOS, et al. Effects of processing on the chemical, physicochemical, enzymatic, and volatile metabolic composition of pitaya (Hylocereus polyrhizus (F.A.C. Weber) Britton & Rose). FOOD RESEARCH INTERNATIONAL, v. 127, p. 108710, 2020.

[9] LIRA, et al. Metabolic profile of pitaya (Hylocereus polyrhizus (F.A.C. Weber) Britton & Rose) by UPLC-QTOF-MSE and assessment of its toxicity and anxiolytic-like effect in adult zebrafish. FOOD RESEARCH INTERNATIONAL, v. 127, p. 108701, 2020.

[10]https://www.instagram.com/tv/CIg11yDsZ6n/?igshid=1u90mpxmixaw8

[11]https://alavoura.com.br/colunas/alimentacao-nutricao/cor-e-sabor-de-saude/

[12]https://revistagloborural.globo.com/amp-stories/os-beneficios-da-pitaia-a-saude/index.html

 [13] LIMA, et al. Microfiltered red-purple pitaya colorant: UPLC-ESI-QTOF-MSE-based metabolic profile and its potential application as a natural food ingredient. FOOD CHEMISTRY, v. 330, p. 127222, 2020.

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